A primeira página do Jornal do Recife de 23 de junho de 1874 celebrou uma novidade: “Estamos, pois, em comunicação instantânea com o mundo inteiro, e já ontem mesmo se trocaram alguns despachos particulares com a praça de Londres”. A notícia se referia à chegada do cabo submarino telegráfico que conectava a praia de Carcavelos, a 21 quilômetros de Lisboa, em Portugal, à Recife, com conexões na Ilha da Madeira e em Cabo Verde.
De imediato, os telegramas internacionais fizeram o fluxo de informações dar um salto: “Da resposta à mensagem só mediaram duas horas. Não há o que duvidar: uma nova era começou ontem em nosso país”, concluía o periódico pernambucano. Até então, os jornalistas e leitores do Brasil imperial esperavam de 15 a 40 dias para receber cartas ou jornais da Europa, trazidos por navios a vapor. Em 1874, pela primeira vez, os jornais brasileiros puderam publicar notícias da Europa do dia anterior.
Desde 1857 que a família real investia em uma rede de telégrafos no Brasil, inicialmente instalando uma linha entre a capital e a cidade de Petrópolis, local de veraneio do imperador e da corte. Em 1865, com a guerra do Paraguai, o telégrafo deixou de ser um luxo e passou a ser uma necessidade. Reagir aos acontecimentos do conflito em tempo real representava uma grande vantagem estratégica. A partir desse ano, um enorme esforço de guerra foi desprendido para levar, a partir da capital do império, uma linha telegráfica até o front. Com o desfecho da guerra, em 1869, convencido da importância da comunicação ágil, o governo brasileiro iniciou um plano de expansão das linhas telegráficas em direção ao norte, pelas províncias do litoral, região de maior concentração populacional, onde se situavam as principais cidades e capitais do império, além do estabelecimento de novas linhas cruzando o oceano em direção à Europa, África e Ásia.
Uma série de contratos foram firmados com companhias de telecomunicações. Não havia em território brasileiro empresas aptas a cumprir com os planos de expansão, nem tecnologia nacional e quase nenhuma mão de obra especializada. As empresas inglesas Western and Brazilian Telegraph Company (WBTC) e Brazilian Submarine Telegraph Company (BSTC), que mais tarde se fundiram na Western Telegraph Company, receberam as concessões para operar as mais importantes linhas telegráficas. Como parte dos acordos comissionados pelo governo brasileiro estava a ligação de cabos a uma rede que, vindo da Europa, bordeava a costa africana, passava pelo Cabo da Boa Esperança e seguia até a Oceania. A Western Telegraph Company buscou um local para a sua instalação. Precisava ser próximo ao mar, de onde seriam disparados os cabos submarinos. Precisava ser próximo a um cais, para receber material, insumos e pessoal especializado com facilidade. Precisava também ter espaço, porque havia que se construir um laboratório, um centro para treinar mão de obra local, e escritórios para administrar a empreitada. O local escolhido para lançar a rede de cabos foi a cidade de Niterói.
O conjunto onde hoje funciona a Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF, no Campus da Praia Vermelha, é formado por dois edifícios ecléticos construídos entre o final do século XIX e início do século XX, popularmente chamados pela comunidade universitária de Chalé e Casarão, rodeados por um jardim sinuoso. A primeira edificação construída, o Chalé, já existia pelo menos desde 1839, conforme demonstra um mapa do bairro de São Domingos, no qual é possível identificar a construção. O chalé pertencia ao Comendador Joaquim José Rodrigues Guimarães, mas com sua morte, a família vendeu a propriedade para a Western Telegraph Company.
Além do chalé, que já existia, a companhia foi responsável pela construção de outros edifícios: um que serviria como alojamento dos engenheiros, que atualmente é o Casarão, e um anexo aos fundos do Chalé, onde funcionaram os laboratórios da empresa, demolido após a ocupação da universidade para dar lugar ao bloco de prédios da engenharia. Durante a construção dos laboratórios, uma embaúba (Cecropia pachystachya), árvore típica da Mata Atlântica, foi preservada.
A embaúba é cheia de particularidades. Uma delas é seu tronco oco que serve de esconderijo para algumas espécies de formigas – uma simbiose em que planta e insetos se ajudam. Foi daí que surgiu o principal nome popular da árvore, uma variação da palavra ambaíba que, em tupi, significa “tronco com orifício”. Suas folhas novas e tenras são iguarias para o bicho-preguiça, que é frequentemente encontrado pendurado a seus troncos, aproveitando a oferta de comida. Outra característica muito interessante da árvore é que conforme suas folhas, antes macias e saborosas para o bicho preguiça, envelhecem, sua parte de cima se torna bastante áspera, podendo até mesmo ser utilizada como lixa. Daí vem outros de seus nomes populares: árvore-da-preguiça, pau-de-lixa ou pau-formiga.
Originária do Brasil, a espécie costuma ser encontrada do Rio Grande do Norte até Santa Catarina, em áreas de cerrado e Mata Atlântica. É considerada uma árvore pioneira, pois seu crescimento rápido permite que outras plantas possam se desenvolver na sua sombra. Esta, aliás, é bem farta, resultado das folhas grandes e das ramificações que aparecem no topo da árvore, a quase 18 metros. O conjunto dá à copa o formato de um gigantesco guarda-sol, que os engenheiros ingleses, desacostumados com o calor dos trópicos, não podem ter ignorado.
A embaúba é uma árvore dióica, ou seja, as flores femininas e masculinas estão em indivíduos separados. Portanto, há uma planta masculina e uma planta feminina, entre as quais o vento se encarrega de fazer a transferência do pólen. A fecundação da planta feminina dará origem aos frutos, que são uma fonte importantíssima de alimento na economia da floresta. Tucanos, macacos-prego, aracuãs, gralhas-azuis, picapaus-de-cabeça-amarela e quatis, buscam avidamente esses frutos, espalhando suas sementes e dando origem a novas embaúbas, ora femininas ora masculinas.
As embaúbas desenvolveram uma associação especial com formigas do gênero Azteca, que foi primeiramente estudada por Fritz Muller. No interior do tronco das embaúbas as formigas Azteca encontram o ambiente adequado para estabelecer suas colônias. Através de um orifício em alguma parte mais mole do tronco, elas ganham acesso às câmaras internas na árvore, um ambiente perfeito para a deposição de milhares de ovos. Ali, além de um ambiente protegido, as formigas encontram também locais de produção de glicogênio, um alimento muito atrativo para as formigas. Curiosamente, até onde se sabia, somente agentes de origem animal poderiam produzir glicogênio, mas a embaúba também tem essa capacidade de produzi-lo para as formigas. A árvore, então, fornece para as formigas abrigo e alimento. Em compensação, as formigas protegem a planta hospedeira contra o ataque de herbívoros e a invasão por trepadeiras, e nutrem-na através dos resíduos abandonados no tronco. A interação Embaúba-Formiga Azteca é um exemplo de relação mutualística, na qual ambas as partes se beneficiam.
A embaúba parece ser uma árvore indefesa, e em alguns sentidos até mesmo frágil. Não adotou nenhuma das estratégias de sobrevivência em um ambiente selvagem que suas vizinhas desenvolveram ao longo do processo evolutivo. Sua única característica hostil são as estruturas na parte de cima de suas folhas mais antigas, que a deixam áspera. Manteve um tronco fino e oco, não produz substâncias tóxicas ou amargas. Inclusive, faz o contrário, secretando um alimento doce e convidativo. Mas é exatamente nessas particularidades, que podemos erradamente confundir com vulnerabilidades, que reside sua potência. As formigas devolvem o que recebem da embaúba. Quando defendem avidamente sua colônia estão defendendo a própria árvore.
A Western Telegraph funcionou em Niterói até 1930, embora só tenha vendido o terreno em 1943. Nesse meio tempo, a estrutura deixada pelos ingleses abrigou o Colégio Icaraí, que converteu o antigo laboratório da empresa em salas de aula. Nas propagandas do colégio pode-se adivinhar, colado ao pavilhão, a antiga Embaúba. Em 1947 o conjunto passa a ser propriedade da Caixa Econômica Federal. Entre 1948 e 1956, abriga o Serviço de Águas e Esgotos da Prefeitura, quando finalmente encontra o uso que tem até hoje, recebendo em 1956 a Escola Fluminense de Engenharia, que foi depois incorporada à UFF, quando de sua criação em 1960.
A UFF ergueu um bloco de edifícios sobre as ruínas do pavilhão de laboratórios da Western Telegraph, preservando o belo exemplar de embaúba. Um representante típico da mata atlântica, que vivenciou todas as transformações da região, dos cabos de telégrafo à escola de engenharia.
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