top of page
Buscar

Pau ferro do Campo de São Bento

  • luizmors9
  • 26 de set. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 19 de out. de 2023


Em uma primeira impressão, os indígenas Tupinambá pareciam dóceis, se deixando converter facilmente ao catolicismo. Ou, ao menos era assim que faziam acreditar aos religiosos, porque o que tinham de dóceis tinham também de inconstantes, como logo perceberam os padres jesuítas. Em 1556 o Padre Luis da Gram escreve a Dom Inácio de Loyola sobre as dificuldades na catequese Tupinambá: “O que eu tenho como um grande obstáculo para os povos de todas essas nações é a sua própria condição… seus desejos de ser bom, tudo é tão passageiro que não se pode dar por certo”. Parece até que os Tupinambá enrolavam os padres que lhes tentavam impor o credo, convertendo tudo em pequenas vantagens. Com um anzol se lhes convertia ao cristianismo, e com outro os desconvertia. Como destacam os antropólogos Eduardo Viveiros de Castro e Manuela Carneiro da Cunha em um artigo de 1985, só havia uma verdadeira obstinação imutável nos tupinambás: a vingança.

E essa deveria ser plena, seguindo um ritual cujo ápice era a cerimônia festiva onde o inimigo era devorado. O canibalismo era um elemento central na vida guerreira tupinambá. Havia um protocolo para a realização da vingança, uma sequência elaborada descrita com detalhes por diversos cronistas, como André Thevet, Jean de Léry e Hans Staden. Após ter vivido alguns meses, ou até anos, entre seus captores, o prisioneiro era abatido em praça pública. Na noite anterior à execução, armavam redes ao redor do prisioneiro onde as idosas da aldeia deitavam e durante toda a noite entoavam canções de desdém, demonstrando o quanto ele era odiado e o como seria o seu fim. O prisioneiro, que havia vivido desde sua captura como um membro da tribo, que havia se deitado com as mulheres e eventualmente até gerado descendentes, era devolvido à condição de inimigo em suas últimas 24 horas de vida.

No dia seguinte, a muçurana, uma corda fabricada especialmente para essa ocasião, era firmemente amarrada à sua cintura de forma que o condenado não tivesse quase nenhuma mobilidade. Sem poder escapar de sua sina macabra, davam ao cativo jenipapos, que ele deveria lançar raivosamente contra todas as pessoas a seu alcance. A tribo e seus convidados divertiam-se com seu jantar. Depois, o prisioneiro deveria ser morto com uma única pancada da ibirapema, o porrete de madeira que lhe devia esfacelar o crânio. Mas antes do golpe derradeiro, o prisioneiro travava uma conversa final com seu algoz, conforme Jean de Lery descreveu: “Não és tu da nação chamada Margaias, quem é o nosso inimigo? E você mesmo não matou e comeu de nossos pais e amigos?” Ao que o prisioneiro deve responder: “Já matei e já comi muitos amigos desse que me fez prisioneiro. Sou forte e poderoso. Fui eu quem, inúmeras vezes, pus a correr a vós, que não entendeis nada de guerra”. E termina dizendo: “Meus parentes me vingarão”. Aí então tudo ficava às claras. O prisioneiro seria comido porque, anteriormente, já havia vitimado e comido os parentes e amigos dos que agora o prendiam. Mas antes de ter a carne devorada, deixava prometido um revide: seus parentes voltariam e pagariam na mesma moeda. A carne do morto era distribuída entre os visitantes e os membros da aldeia, em uma festa antropofágica cujo verdadeiro objetivo era a vingança.

O golpe da ibirapema deveria ser preciso e a morte, instantânea. Para isso se preparava o guerreiro Tupinambá, e sua glória e fama entre os seus dependia em parte do sucesso desse golpe. Era fundamental, portanto, que sua ferramenta, o tacape ritualístico, fosse o mais adequado à execução da tarefa. Por esse motivo a ibirapema era feita da madeira mais dura que havia à disposição dos índios brasileiros, o pau-ferro (Caesalpinia leiostachya). Diz-se, inclusive, que seu nome advém das faíscas e do ruído metálico produzido pelos machados ao cortá-la.

O pau-ferro é uma das árvores mais bonitas do Brasil. Natural dos nichos mais úmidos da Mata Atlântica, é hoje muito difícil de se encontrar em seu ambiente original. Apesar disso, é uma árvore muito utilizada na arborização urbana, o que constitui um exemplo de conservação pelo paisagismo. É seu tronco liso e marmorizado que a torna tão bonita. Uma das características marcantes do pau-ferro é a casca fina do tronco da árvore que constantemente se esfolia, revelando a madeira nova por baixo, com células jovens mais claras que as células mais velhas (semelhantes ao que ocorre com as jabuticabeiras e goiabeiras). Dessa forma, o tronco do pau-ferro parece estar camuflado, e sustenta uma copa frondosa, que em alguns casos chega a 20 metros de diâmetro. Além da beleza, o que não passou despercebido pelos Tupinambá é a dureza de seu tronco. A madeira dessa espécie possui fibras com paredes muito espessas e vasos de diâmetro pequeno e em baixa frequência. A composição da parede celular também influencia, e o pau-ferro possui alto conteúdo de lignina e celulose quando comparada a outras espécies. Todas essas características conferem alta dureza e densidade à madeira, ideal para o golpe derradeiro no ritual antropofágico Tupinambá, fazendo do pau-ferro uma árvore tão bela quanto perigosa.



Pois antes da chegada dos Portugueses ao Brasil, quatro tribos Tupinambá dominavam Niterói (Keriy, Akaray, Morgujá-uasú e Kurumuré). Portugueses e Tupinambás eram inimigos ferrenhos. Frequentemente os Tupinambá costuravam alianças com os franceses contra os portugueses, em um jogo político que impunha muitas dificuldades, prejuízos e mortes aos conquistadores. Para derrotar os tupinambás, os portugueses contaram com a ajuda da tribo dos indígenas temiminós, do Espírito Santo e liderados por Araribóia, que após a vitória solicitou a Mem de Sá, governador Geral do Rio de Janeiro à época, a posse das Terras d’Além (além da Baía de Guanabara).

Até hoje o temiminó Araribóia tem sua estátua em frente à estação das barcas, como um lembrete para quem chega à cidade, que aquela é o único município brasileiro fundado por um indígena. Mas além da estátua de Araribóia, o passado indígena de Niterói é representado pelos inúmeros pau ferros utilizados no seu paisagismo. Somente no Campo de São Bento existem oito exemplares da árvore, sem uma delas considerada Árvore Notável da cidade. Esta é, de fato, fabulosa, com um diâmetro do tronco com 153 centímetros e quase 18 metros de altura. É uma lembrança do passado indígena da cidade, e mais especificamente da época que os Tupinambá dominavam a região.


PARA USAR EM SALA DE AULA

Abaixo temos a sugestão de temas e conceitos que podem ser abordados em sala de aula tendo o Pau Ferro do Campo de São Bento como ponto de partida.


Sugestões para complementar as abordagens são bem vindas. Podemos providenciar kits com madeiras, lâminas histológicas e amostras de folhas para uso em sala de aula.



BIOLOGIA

SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO a partir das nomenclaturas científicas

ECOLOGIA abordando o nicho ecológico da espécie, seu processo de extinção e trabalho com mapas trazendo um resgate através do urbanismo

FISIOLOGIA VEGETAL através de cortes histológicos evidenciando a dureza e densidade de seu caule, observação do xilema, do floema e da parede celular

ANTROPOLOGIA

HISTÓRIA

LITERATURA



 
 
 

Comments


bottom of page